sexta-feira, 24 de agosto de 2012

IDENTIDADE - Quando o penteado não combina

IDENTIDADE 
Quando o penteado não combina



Pr. Joubert de Oliveira Sob°

Na minha adolescência passei por períodos amargos e ao mesmo tempo cômicos. Meu pai ficou cego e, por conseguinte, perdeu a profissão de fotógrafo. A estrutura familiar se manteve firme, mas as perspectivas evaporaram-se. Foi inevitável. Eu e meu irmão menor sofremos isto muito de perto. Particularmente, perdi meu horizonte ao mesmo tempo em que esfriei meu relacionamento com Deus. A partir dos 14 anos, fiquei à deriva, à mercê das ondas, da moda, dos modelos da sociedade, da massificação. Foram as misericórdias de Deus e as orações de minha mãe e minha avó que me pouparam de maiores prejuízos. Foi um inverno muito longo, escuro, triste e sofrido.

Forçando o penteado
Naqueles dias assisti a um filme cujo ator principal fez muito sucesso entre os jovens. Grande parte da juventude daquela década se tornou seu fã. Alguns, mais que admiradores, se tornaram imitadores. Comecei a ceder àquela febre. Era uma pressão muito grande. O sucesso daquela personagem era o outro extremo da vida real, difícil, que eu levava.

De repente, me vi diante de um espelho mudando meu penteado, tentando imitar o astro. Meus cabelos, naturalmente, não nasceram para aquele tipo de penteado, mas eu forcei. “Por que meu cabelo não pode ficar igual ao dele?”, pensava enquanto me esforçava para deixar as mechas inchadas o mais semelhante possível.


Enchi-me de coragem e saí de casa. Os meninos da rua, meus vizinhos, quando me viram com o novo penteado, riram muito. Com certeza não foi por inveja... Eu havia cedido à imagem. No fundo era triste. Comecei a não gostar de mim por causa daquilo. Além de não ter o mesmo tipo de cabelo, não tinha dinheiro, não tinha roupas, não tinha o carro, muito menos as namoradas... Tornei-me um frustrado, duro e mal penteado!

Triste mesmo foi que depois de pouco tempo, o mesmo ator foi lançado ao sucesso em outro filme, só que com um penteado diferente, mais difícil ainda de ser imitado. Aí eu me senti ridículo, mas, muito ridículo. Meu penteado forçado perdeu a razão de ser e me vi vivendo uma mentira, uma fantasia que invadia a minha vida, desprezava o que eu era e desvalorizava minha individualidade. Como você pode ver, este é um daqueles episódios da vida que a gente não conta para todo mundo, por isto eu contei só para você.

Virtudes e fragilidades
Lembrei-me deste fato ao pensar em nossa igreja e sua história. Nossa identidade se apresenta com base nas características de nosso chamado, na vivência, nas experiências, vitórias e lutas, mas muito mais na “medida da fé que Deus repartiu a cada um”, Rm 12.3. As igrejas em geral têm suas características, sua individualidade e sofrem influências entre si. Vide as igrejas do Apocalipse 2 e 3. Cada uma com suas virtudes e deficiências, necessitando das palavras do Senhor. Mas, à semelhança do direito que temos de nos resguardar, como indivíduos, com características próprias, assim também cada igreja tem o direito de se resguardar em suas características dadas por Deus, individualmente. Não que não creia na unidade da Igreja. A unidade do Corpo de Cristo, que o tem como Cabeça, é uma verdade patente, queiram ou não, creiam ou não, pratiquem ou não. Mas esta unidade deve respeitar os limites do espaço vital do outro, suas diferenças.

Unidade e bom senso
O fato de eu ter unidade com você não me dá o direito de entrar em sua casa, chutar o seu cachorro, estapear seu papagaio, abrir sua geladeira sem sua ordem, lavar meu carro na sua garagem, tomar banho com seu sabonete, enxugar-me com sua toalha e ainda reclamar da qualidade de seu xampu. Claro que, quanto mais amor, identificação e companheirismo, mais desejamos que a pessoa querida se sinta à vontade em nosso convívio. Aliás, a regra da educação e do bom senso é que, quanto mais liberdade recebo no relacionamento de amizade com alguém, mais devo respeitar e reconhecer os limites adequados. Este é o segredo da amizade duradoura. Não é verdade que damos maior liberdade àqueles que sabem respeitar nossa individualidade? O inverso também é real. Mantemos à distância segura aqueles que abusam de nossos direitos. Se por um lado a Bíblia nos ensina a exercer a hospitalidade, 1Pe 4.9, por outro nos ensina a retirar os pés da casa do próximo antes que ele se canse de nós e nos aborreça, Pv 25.17

Personalidade importada
Refiro-me às características que Deus imprime nas igrejas locais de acordo com a capacidade de visão e fé de cada um. Forçar a “importação” da visão, filosofia, ideologia ou revelação de outra igreja ou comunidade, pode ser tão prejudicial quanto exigir de uma criança um posicionamento de um adulto, ou vice-versa. Recebemos muitos líderes de outras igrejas nestes anos de existência. Uns enfatizavam a unidade, o relacionamento e a comunhão como resposta para a igreja, outros que o púlpito tinha que ser retirado e “jogado no lixo”, outros que os grupos caseiros eram o que importava somente, outros que o culto deveria ser outro dia que não o domingo por causa da tradição, outros que não deveríamos ter templos para nos reunir porque nós somos o templo, e assim foi.

Vi, com estes meus olhos, um pastor muito jovem receber um daqueles ensinos como se fosse a pura revelação de Deus para sua vida e ministério. Vale ressaltar que este jovem pastor dirigia uma das igrejas mais prósperas e alegres de São Paulo, da qual se ouvia muito falar. Seus cultos eram vibrantes, não havia lugar para todos, muitos cultos eram feitos por dia e percebia-se uma grande unção em sua ministração. Pois bem, ele assimilou a ideia dos grupos caseiros e cortou os cultos vibrantes de fim de semana trocando por encontros mensais, “na marra”. Na verdade ele desprezou as características que Deus havia lhe dado na condução do rebanho. Digamos que “mudou o penteado”. Passados alguns anos, ele percebeu o desvio, resolveu voltar ao “penteado” anterior e foi difícil o “cabelo se acostumar”.

Por favor, entenda, não estou entrando no mérito se grupos familiares são bons ou não, se púlpitos, templos ou certas doutrinas devem ser ensinadas ou não. Estou dizendo que Deus deu a cada igreja e à nossa igreja, em particular, uma “digital”, uma identidade que é diferente de todas as outras, e vai, justamente por estas diferenças, exercer uma função específica no Corpo de Cristo e suprir as outras partes deste Corpo em suas necessidades, assim como seremos supridos nas nossas por outra parte deste Corpo. É por isto que somos chamados Corpo de Cristo, pois somos compostos por vários membros, cada um com sua função e responsabilidade. Creio, evidentemente, que, ao longo do tempo, Deus vai acrescentando maturidade e aprimorando nossa visão de igreja, aumentando nossa fé, facilitando nosso crescimento e preservando nossa saúde espiritual a fim de que cumpramos nossa missão principal neste mundo, que é atrair vidas a Deus refletindo a imagem e o caráter de Jesus.

Fogo amigo
Por outro lado, o que é muito comum hoje é o que alguém já denominou “projeção do dom”. A pessoa (ou igreja) descobre sua característica, dom ou talento e passa a acusar a todos que não são, não fazem ou não pensam como ele. São exímios atiradores, mas que miram em alvos errados.

Não raro estes começam a tratar os irmãos como inimigos. Começam criticando algumas fragilidades reais e depois descambam a pecar contra o amor, ferindo mais que edificando e exigindo “maturidade” de todos, sendo mais rígidos que Deus, que respeita a medida da fé de cada um. Vale dizer que, em geral, os mais ferinos são pessoas que ignoram o que é “por a mão na massa” de verdade e vivem praticando fartamente o que condenam. Estes  desprezam o ensino da Palavra de que nossos reais inimigos não são nossos irmãos, mas sim, 1) a nossa carne que ama o pecado e precisa conhecer o que é mortificação, 2) o diabo que quer nos roubar, matar e destruir colocando-nos contra o Corpo, e 3) o sistema pecaminoso do mundo que voluntariamente ignora e exclui a Deus.

Numa igreja em que pastoreei, havia um grupo que amava a ação social e eu os apoiei e estimulei ao máximo. Atendiam mendigos na madrugada, doavam sopas, os traziam para o culto, mas antes lhes davam banho, encaminhavam os desejosos de mudança para casas de recuperação, emprego, etc., tudo com apoio e investimento da igreja local. Era um trabalho maravilhoso e exemplar.

Porém, um dia pedi que falassem à igreja, mostrando os detalhes do ministério. Tudo começou bem até que resolveram enveredar o discurso pela senda do “eu faço e você não faz”. Cada um que falava recriminava, criticava e condenava mais os membros por não fazerem o que eles faziam, a ponto de quase chamá-los de “preguiçosos vagabundos”. Um presbítero sentou-se ao meu lado quase em desespero e fez um gesto perguntando o que estava acontecendo. A coisa beirava a ofensa.

Tive que interferir. Fui à frente, abracei a quem falava e tomei a palavra. Mostrei que aquele ministério era maravilhoso porque por trás de todos os que atuavam diretamente nele estavam aqueles que não apareciam: o pessoal da limpeza dos banheiros - que ficava num estado deplorável depois do banho nos mendigos; o grupo que recolhia roupas usadas para doar; as famílias que doavam alimentos para o sopão; as cozinheiras que voluntariamente o faziam na cozinha da igreja; os irmãos que ofertavam para a manutenção do ministério e dos recursos do prédio; os irmãos da intercessão que não esqueciam daquele trabalho, etc.

Depois apontei para a janela do berçário e perguntei ao irmão a quem estava abraçado:

-  Irmão, sabe o que tem atrás daquela janela? Irmãs que cuidam dos bebês das famílias da igreja durante os cultos. Dão mamadeiras, cantam, fazem eles dormir e limpam o bumbum deles trocando suas fraldinhas. Elas não participam do louvor, não ouvem a Palavra, não sabem o que ocorre neste culto, por que? Porque, por amar a Jesus servem com amor a igreja em sua necessidade. Isso é ministério.

Então perguntei:

- Você gostaria de fazer aquele trabalho? Você tem esse chamado? Sente desejo de servir neste ministério?

Ele rindo, negou-se. Então eu arrematei:

-  Cada um deve fazer o melhor naquilo para o que foi chamado. Aqui não desprezamos o ministério de ninguém, pois se todos fizessem a mesma coisa, não haveria igreja nem missão.

Essa tendência de valorizar o seu ministério e desprezar o do outro é tão infantil, carnal e diabólico quanto aquele que despreza sua própria identidade tentando ser e fazer o que não foi chamado. Cuide do equilíbrio; não caia nestas valas. Ande pelo caminha alto.

Perdão por desprezar a minha família!
Ao redor daqueles meus quatorze anos eu tinha um amigo. Éramos muito próximos de sorte que frequentei muito sua casa. Ele tinha uma família aparentemente muito equilibrada e bela. Eles pareciam alegres, tinham uma casa bonita, um apartamento na praia do qual usufruí algumas vezes, enfim, lembro que cheguei até desejar ter uma família daquele jeito. Após um tempo, veio à tona a verdade. O pai de meu amigo arrumou uma amante. A mãe dele, ao descobrir, deprimiu-se, e, talvez para despistar a dor da traição, começou a dizer que a atitude do marido era normal nos homens... Sofri com eles aquela dor mais do que eles imaginam.  Depois, como resultado, entendi que havia sido injusto com minha família. Imediatamente dei graças a Deus por ela, por suas características únicas. Tínhamos provações e lutas, mas, também tínhamos vida e amor.

Da mesma forma, quando vemos as propostas, propósitos ou o “sucesso” de outra igreja ou comunidade cristã, tendemos à compará-la com a nossa e perguntamos a nós mesmos: “o que será que está errado?”. Esquecemos que não é para as outras igrejas que devemos olhar, mas sim, para Jesus. Se assim o fizermos nossos erros serão corrigidos e vamos cumprir com liberdade e alegria nossa missão. Não quero imitar outros com o custo de desprezar o que sou e tudo o que, especialmente, recebi de Deus. Claro que posso e devo aprender com a experiência de outros, mas preciso ser o que Deus me deu para ser, melhor e sempre, não é?

Quero desafiar você que está nesta parte do Corpo de Cristo a amar e se alegrar com esta igreja, a se compromissar com esta família de Deus, a Igreja Cristã da Família – Campo Belo, a aprender com os erros, contribuir para a edificação, e praticar as virtudes que o Senhor já nos concedeu como parte de seu Corpo a fim de que seja mais saudável.

Faça um teste de saúde espiritual e veja se você pode dizer em alta voz, de coração: “eu amo minha igreja!”. Se não puder dizer isto, veja se você não tem estado muito tempo no espelho tentando mudar o penteado...

2 comentários:

  1. Sensacional. Interessante que ultimamente tenho estado com esse mesmo sentimento seu. Minha proposta de palavra para o ano para a nossa igreja será mais ou menos por aqui: conhecer para amar (a nossa igreja).

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