Em defesa do
cristianismo
Alderi Souza de
Matos
Nas
últimas décadas, tem se tornado comum no mundo ocidental “malhar” o cristianismo.
Intelectuais, acadêmicos, escritores e articulistas de renome costumam se
referir à fé cristã de forma desairosa e depreciativa. Infelizmente, com
freqüência muitos críticos estão dentro das fileiras do próprio cristianismo. É
considerado politicamente incorreto falar mal de outras religiões, como o
islamismo, o budismo e o hinduísmo, que estão muito em voga na Europa e nas
Américas, mas não se vê nenhum problema em condenar o movimento cristão. Alguns
pensadores ateus, autores de livros campeões de vendas, têm defendido
explicitamente a extinção pura e simples do cristianismo. Segundo afirmam,
seria desejável que todas as religiões deixassem de existir, mas na realidade
eles têm em mente antes de tudo a fé cristã, a tradição religiosa predominante
no Ocidente.
Além de preconceituosa, essa atitude é profundamente injusta do ponto de vista
histórico. Os próprios cristãos reconhecem que sua trajetória ao longo dos
séculos não está isenta de dolorosos problemas. As cruzadas, o anti-semitismo,
a Inquisição, as guerras religiosas e a escravidão nas Américas são manchas
tristes na experiência da igreja, falhas que os cristãos conscienciosos
lamentam profundamente. É preciso lembrar esses fatos continuamente para que
eles não voltem a se repetir. Todavia, as contribuições e os benefícios que o
cristianismo legou ao mundo são muito mais marcantes e numerosos que os seus
erros, como o estudo desapaixonado da história demonstra de maneira conclusiva.
Alguns desses benefícios não foram generalizados nem contínuos, tendo ocorrido
mais em algumas épocas e lugares do que em outras.
A
influência histórica
O cristianismo é a principal tradição cultural do mundo ocidental, o mais
importante fator na formação histórica da Europa e das Américas. Assim sendo, a
influência cristã permeia todos os aspectos da vida desses continentes e suas
nações. Caso prevalecesse a tese dos autores que defendem a extinção do
cristianismo, por uma questão de coerência vastas mudanças teriam de ser feitas
na vida social desses povos. Por exemplo, o calendário teria de ser trocado por
outro -- a semana de sete dias, os termos “sábado” e “domingo” (“dia do
Senhor”) e a contagem dos anos (como 2008) não mais fariam sentido, porque
todos têm origem cristã ou judaico-cristã. Algumas das celebrações e
festividades mais apreciadas pelas pessoas (Natal, Páscoa, Dia de Ação de
Graças) teriam de ser eliminadas. Milhões de pessoas teriam de mudar seus nomes
de origem cristã, inclusive muitos ateus. O mesmo aconteceria com um imenso
número de designações de cidades, logradouros e pontos geográficos. Os idiomas,
a música, o folclore, as tradições e outros elementos seriam profundamente
afetados.
Mas existem questões mais importantes. Olhando-se para a história antiga e
recente, percebe-se o enorme impacto humanizador e civilizador do cristianismo.
Desde o início da era cristã, houve uma grande preocupação com a dignidade da
vida humana, que se traduziu no combate a práticas degradantes como o aborto, o
infanticídio e as lutas de gladiadores. O cristianismo valorizou a criança, a
mulher, o idoso, o casamento e a vida familiar. Embora no início os cristãos
tenham mantido a escravidão que existia no Império Romano, a fé cristã continha
valores que levaram à gradual extinção desse mal. Tem sido imenso, ao longo do
tempo, o esforço dos cristãos em socorrer os pobres, doentes e desamparados de
toda espécie, através de um sem-número de iniciativas e instituições
humanitárias. Até hoje, tanto em tribos indígenas e populações carentes como
entre povos adiantados, a contribuição cristã nessas áreas se faz notar de modo
saliente.
O
legado cultural
Sem desprezar as
magníficas contribuições das antigas civilizações grega e romana, foi
principalmente o cristianismo que moldou a vida dos povos ocidentais como os conhecemos
hoje, além de exercer grande influência positiva na África e na Ásia. À medida
que a fé cristã se expandia, ela elevou o padrão de vida dos povos que deram
origem às nações européias. A contribuição cristã na área da educação tem sido
das mais destacadas. Durante séculos, as únicas escolas que existiam estavam
ligadas à igreja. Muitos povos, ao serem evangelizados, receberam
simultaneamente a escrita e a alfabetização, como ocorreu entre os eslavos, na
Europa oriental, e em muitas nações africanas. A Bíblia, traduzida para as
línguas desses povos, se tornou importante nesse processo. As primeiras
universidades (Paris, Bolonha, Oxford) e muitas outras surgidas mais tarde
(Harvard, Yale, Princeton etc.) foram criadas por cristãos.
O cristianismo deu uma contribuição inigualável em outras áreas significativas,
notadamente em séculos recentes. Alguns exemplos no âmbito político são o
governo representativo, a separação dos poderes, a expansão da democracia e a
ampliação dos direitos e liberdades civis. As convicções cristãs permitiram a
ascensão econômica do homem comum, gerando prosperidade para famílias e povos.
Outra área de atuação foi a ciência, não só pelo fato de que a maior parte dos
cientistas ao longo da história têm sido cristãos, mas de que o cristianismo,
com sua visão de um mundo ordenado e sujeito a leis fixas, porque criado por
Deus, possibilitou o próprio surgimento da ciência. E que dizer das
contribuições nos campos da literatura e da arte? Se não fosse o cristianismo,
não teríamos obras como as “Confissões”, de Agostinho, a “Divina Comédia”, de
Dante, o “Paraíso Perdido”, de Milton, e tantas outras. Não contemplaríamos as
magníficas catedrais góticas, a Capela Sistina, bem como as esculturas e
pinturas de Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt e outros mais. Não
poderíamos ouvir “O Messias” de Haendel nem as inspiradoras composições de
Johann Sebastian Bach.
Valores
religiosos e éticos
Os legados mais valiosos
do cristianismo ao mundo são a vida e os ensinos de seu fundador, registrados
no Livro dos Livros. Jesus Cristo, o carpinteiro de Nazaré que os cristãos
consideram o próprio Filho de Deus encarnado, proferiu algumas das palavras
mais belas, sublimes e cativantes que se conhecem na história humana. Ele falou
das coisas transcendentes e eternas de modo simples e acessível a qualquer
indivíduo. Os valores que ensinou, como o amor, a compaixão, o altruísmo, a
integridade, a veracidade e a justiça, têm trazido benefícios incalculáveis ao
mundo. Todavia, ele não se limitou às palavras e conceitos, mas exemplificou em
suas ações as verdades que buscava transmitir. Por fim, deu sua vida na cruz
para cumprir cabalmente a missão de que estava incumbido. Desde então, seu
ensino e exemplo têm inspirado e transformado milhões de pessoas em todos os
recantos do mundo, além de ter induzido mudanças radicais nos mais diferentes
aspectos da sociedade.
Sem Cristo e seu grandioso legado, o mundo certamente seria um lugar muito mais
sombrio, triste e desesperançado. Essa é a tese de D. James Kennedy em seu
livro “E se Jesus não Tivesse Nascido?” (Editora Vida, 2003). Não se pode negar
que muitos não-cristãos têm dado contribuições relevantes à sociedade. Os
cristãos não têm dificuldade com isso, porque entendem que Deus atua em toda a
criação e que sua imagem, ainda que desfigurada, está presente em todos os
seres humanos. Todavia, as alternativas de um mundo sem fé e sem cristianismo
podem se tornar aterrorizantes. Basta lembrar que os homens mais cruéis,
desumanos e sanguinários do século 20 -- indivíduos como Josef Stálin, Adolf
Hitler, Mao Tsé Tung e Pol Pot -- além de não serem cristãos, eram inimigos do
cristianismo. Mesmo sem apelar para casos extremos como esses, está claro que o
crescente secularismo que avassala o mundo, com sua relativização do
significado e da importância da vida, representa uma grande ameaça para o
futuro da humanidade.
Conclusão
Depois de afirmar todas
essas realidades em defesa do cristianismo, destacando os elementos
construtivos de sua herança milenar, é preciso acrescentar que os cristãos não
têm motivos para se entregar ao ufanismo triunfalista. O cenário cristão
contemporâneo tem dificuldades que deveriam produzir em seus fiéis um forte
senso de humildade e contrição. As rivalidades, incoerências, mediocridades,
extremismos e outras distorções existentes em muitas igrejas e grupos cristãos
são amiúde as causas da atitude beligerante mencionada no início deste artigo.
Daí a necessidade de se fazer uma distinção entre as estruturas de poder, as
instituições humanas, a religiosidade meramente nominal e cultural, e o
cristianismo genuíno ensinado por Cristo e seus apóstolos, exemplificado pelos
elementos positivos da trajetória cristã. Somente se os cristãos retornarem
continuamente aos fundamentos de sua fé, eles poderão continuar a proporcionar
ao mundo e à sociedade os mesmos benefícios oferecidos por seus
antecessores.
• Alderi
Souza de Matos é
doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial
da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e “Os Pioneiros Presbiterianos do
Brasil”.