IDENTIDADE
Quando o penteado não combina
De repente, me vi diante de um espelho mudando
meu penteado, tentando imitar o astro. Meus cabelos, naturalmente, não nasceram
para aquele tipo de penteado, mas eu forcei. “Por que meu cabelo não pode ficar
igual ao dele?”, pensava enquanto me esforçava para deixar as mechas inchadas o
mais semelhante possível.
Quando o penteado não combina
Pr. Joubert de
Oliveira Sob°
Na minha adolescência passei por períodos amargos e ao
mesmo tempo cômicos. Meu pai ficou cego e, por conseguinte, perdeu a profissão
de fotógrafo. A estrutura familiar se manteve firme, mas as perspectivas
evaporaram-se. Foi inevitável. Eu e meu irmão menor sofremos isto muito de
perto. Particularmente, perdi meu horizonte ao mesmo tempo em que esfriei meu
relacionamento com Deus. A partir dos 14 anos, fiquei à deriva, à mercê das
ondas, da moda, dos modelos da sociedade, da massificação. Foram as
misericórdias de Deus e as orações de minha mãe e minha avó que me pouparam de
maiores prejuízos. Foi um inverno muito longo, escuro, triste e sofrido.
Forçando o penteado
Naqueles dias assisti a um filme cujo ator principal fez
muito sucesso entre os jovens. Grande parte da juventude daquela década se
tornou seu fã. Alguns, mais que admiradores, se tornaram imitadores. Comecei a
ceder àquela febre. Era uma pressão muito grande. O sucesso daquela personagem
era o outro extremo da vida real, difícil, que eu levava.
Enchi-me de coragem e saí de casa.
Os meninos da rua, meus vizinhos, quando me viram com o novo penteado, riram
muito. Com certeza não foi por inveja... Eu havia cedido à imagem. No fundo era
triste. Comecei a não gostar de mim por causa daquilo. Além de não ter o mesmo
tipo de cabelo, não tinha dinheiro, não tinha roupas, não tinha o carro, muito
menos as namoradas... Tornei-me um frustrado, duro e mal penteado!
Triste mesmo foi que depois de
pouco tempo, o mesmo ator foi lançado ao sucesso em outro filme, só que com um
penteado diferente, mais difícil ainda de ser imitado. Aí eu me senti ridículo,
mas, muito ridículo. Meu penteado forçado perdeu a razão de ser e me vi vivendo
uma mentira, uma fantasia que invadia a minha vida, desprezava o que eu era e
desvalorizava minha individualidade. Como você pode ver, este é um daqueles
episódios da vida que a gente não conta para todo mundo, por isto eu contei só
para você.
Virtudes e fragilidades
Lembrei-me deste fato ao pensar
em nossa igreja e sua história. Nossa identidade se apresenta com base nas
características de nosso chamado, na vivência, nas experiências, vitórias e
lutas, mas muito mais na “medida da fé que Deus repartiu a cada um”, Rm 12.3.
As igrejas em geral têm suas características, sua individualidade e sofrem
influências entre si. Vide as igrejas do Apocalipse 2 e 3. Cada uma com suas
virtudes e deficiências, necessitando das palavras do Senhor. Mas, à semelhança
do direito que temos de nos resguardar, como indivíduos, com características
próprias, assim também cada igreja tem o direito de se resguardar em suas
características dadas por Deus, individualmente. Não que não creia na unidade
da Igreja. A unidade do Corpo de Cristo, que o tem como Cabeça, é uma verdade
patente, queiram ou não, creiam ou não, pratiquem ou não. Mas esta unidade deve
respeitar os limites do espaço vital do outro, suas diferenças.
Unidade e bom senso
O fato de eu ter unidade com você
não me dá o direito de entrar em sua casa, chutar o seu cachorro, estapear seu
papagaio, abrir sua geladeira sem sua ordem, lavar meu carro na sua garagem,
tomar banho com seu sabonete, enxugar-me com sua toalha e ainda reclamar da
qualidade de seu xampu. Claro que, quanto mais amor, identificação e
companheirismo, mais desejamos que a pessoa querida se sinta à vontade em nosso
convívio. Aliás, a regra da educação e do bom senso é que, quanto mais
liberdade recebo no relacionamento de amizade com alguém, mais devo respeitar e
reconhecer os limites adequados. Este é o segredo da amizade duradoura. Não é
verdade que damos maior liberdade àqueles que sabem respeitar nossa
individualidade? O inverso também é real. Mantemos à distância segura aqueles
que abusam de nossos direitos. Se por um lado a Bíblia nos ensina a exercer a
hospitalidade, 1Pe 4.9, por outro nos ensina a retirar os pés da casa do
próximo antes que ele se canse de nós e nos aborreça, Pv 25.17
Personalidade importada
Refiro-me às características que
Deus imprime nas igrejas locais de acordo com a capacidade de visão e fé de
cada um. Forçar a “importação” da visão, filosofia, ideologia ou revelação de
outra igreja ou comunidade, pode ser tão prejudicial quanto exigir de uma
criança um posicionamento de um adulto, ou vice-versa. Recebemos muitos líderes
de outras igrejas nestes anos de existência. Uns enfatizavam a unidade, o
relacionamento e a comunhão como resposta para a igreja, outros que o púlpito
tinha que ser retirado e “jogado no lixo”, outros que os grupos caseiros eram o
que importava somente, outros que o culto deveria ser outro dia que não o
domingo por causa da tradição, outros que não deveríamos ter templos para nos
reunir porque nós somos o templo, e assim foi.
Vi, com estes meus olhos, um
pastor muito jovem receber um daqueles ensinos como se fosse a pura revelação
de Deus para sua vida e ministério. Vale ressaltar que este jovem pastor
dirigia uma das igrejas mais prósperas e alegres de São Paulo, da qual se ouvia
muito falar. Seus cultos eram vibrantes, não havia lugar para todos, muitos
cultos eram feitos por dia e percebia-se uma grande unção em sua ministração.
Pois bem, ele assimilou a ideia dos grupos caseiros e cortou os cultos
vibrantes de fim de semana trocando por encontros mensais, “na marra”. Na
verdade ele desprezou as características que Deus havia lhe dado na condução do
rebanho. Digamos que “mudou o penteado”. Passados alguns anos, ele percebeu o
desvio, resolveu voltar ao “penteado” anterior e foi difícil o “cabelo se
acostumar”.
Por favor, entenda, não estou
entrando no mérito se grupos familiares são bons ou não, se púlpitos, templos
ou certas doutrinas devem ser ensinadas ou não. Estou dizendo que Deus deu a
cada igreja e à nossa igreja, em particular, uma “digital”, uma identidade que
é diferente de todas as outras, e vai, justamente por estas diferenças, exercer
uma função específica no Corpo de Cristo e suprir as outras partes deste Corpo
em suas necessidades, assim como seremos supridos nas nossas por outra parte
deste Corpo. É por isto que somos chamados Corpo de Cristo, pois somos
compostos por vários membros, cada um com sua função e responsabilidade. Creio,
evidentemente, que, ao longo do tempo, Deus vai acrescentando maturidade e
aprimorando nossa visão de igreja, aumentando nossa fé, facilitando nosso
crescimento e preservando nossa saúde espiritual a fim de que cumpramos nossa
missão principal neste mundo, que é atrair vidas a Deus refletindo a imagem e o
caráter de Jesus.
Fogo amigo
Por outro lado, o que é muito
comum hoje é o que alguém já denominou “projeção do dom”. A pessoa (ou igreja)
descobre sua característica, dom ou talento e passa a acusar a todos que não
são, não fazem ou não pensam como ele. São exímios atiradores, mas que miram em
alvos errados.
Não raro estes começam a tratar
os irmãos como inimigos. Começam criticando algumas fragilidades reais e depois
descambam a pecar contra o amor, ferindo mais que edificando e exigindo “maturidade”
de todos, sendo mais rígidos que Deus, que respeita a medida da fé de cada um. Vale
dizer que, em geral, os mais ferinos são pessoas que ignoram o que é “por a mão
na massa” de verdade e vivem praticando fartamente o que condenam. Estes desprezam o ensino da Palavra de que nossos
reais inimigos não são nossos irmãos, mas sim, 1) a nossa carne que ama o
pecado e precisa conhecer o que é mortificação, 2) o diabo que quer nos roubar,
matar e destruir colocando-nos contra o Corpo, e 3) o sistema pecaminoso do
mundo que voluntariamente ignora e exclui a Deus.
Numa igreja em que pastoreei,
havia um grupo que amava a ação social e eu os apoiei e estimulei ao máximo.
Atendiam mendigos na madrugada, doavam sopas, os traziam para o culto, mas
antes lhes davam banho, encaminhavam os desejosos de mudança para casas de
recuperação, emprego, etc., tudo com apoio e investimento da igreja local. Era
um trabalho maravilhoso e exemplar.
Porém, um dia pedi que falassem à
igreja, mostrando os detalhes do ministério. Tudo começou bem até que
resolveram enveredar o discurso pela senda do “eu faço e você não faz”. Cada um
que falava recriminava, criticava e condenava mais os membros por não fazerem o
que eles faziam, a ponto de quase chamá-los de “preguiçosos vagabundos”. Um
presbítero sentou-se ao meu lado quase em desespero e fez um gesto perguntando
o que estava acontecendo. A coisa beirava a ofensa.
Tive que interferir. Fui à
frente, abracei a quem falava e tomei a palavra. Mostrei que aquele ministério
era maravilhoso porque por trás de todos os que atuavam diretamente nele
estavam aqueles que não apareciam: o pessoal da limpeza dos banheiros - que
ficava num estado deplorável depois do banho nos mendigos; o grupo que recolhia
roupas usadas para doar; as famílias que doavam alimentos para o sopão; as
cozinheiras que voluntariamente o faziam na cozinha da igreja; os irmãos que ofertavam
para a manutenção do ministério e dos recursos do prédio; os irmãos da intercessão
que não esqueciam daquele trabalho, etc.
Depois apontei para a janela do
berçário e perguntei ao irmão a quem estava abraçado:
- Irmão, sabe o que tem atrás daquela janela? Irmãs
que cuidam dos bebês das famílias da igreja durante os cultos. Dão mamadeiras,
cantam, fazem eles dormir e limpam o bumbum deles trocando suas fraldinhas.
Elas não participam do louvor, não ouvem a Palavra, não sabem o que ocorre
neste culto, por que? Porque, por amar a Jesus servem com amor a igreja em sua
necessidade. Isso é ministério.
Então perguntei:
- Você gostaria de fazer aquele trabalho? Você tem
esse chamado? Sente desejo de servir neste ministério?
Ele rindo, negou-se. Então eu
arrematei:
- Cada um deve fazer o melhor naquilo para o que foi
chamado. Aqui não desprezamos o ministério de ninguém, pois se todos fizessem a
mesma coisa, não haveria igreja nem missão.
Essa tendência de valorizar o seu
ministério e desprezar o do outro é tão infantil, carnal e diabólico quanto
aquele que despreza sua própria identidade tentando ser e fazer o que não foi
chamado. Cuide do equilíbrio; não caia nestas valas. Ande pelo caminha alto.
Perdão por desprezar a minha família!
Ao redor daqueles meus quatorze
anos eu tinha um amigo. Éramos muito próximos de sorte que frequentei muito sua
casa. Ele tinha uma família aparentemente muito equilibrada e bela. Eles
pareciam alegres, tinham uma casa bonita, um apartamento na praia do qual
usufruí algumas vezes, enfim, lembro que cheguei até desejar ter uma família
daquele jeito. Após um tempo, veio à tona a verdade. O pai de meu amigo arrumou
uma amante. A mãe dele, ao descobrir, deprimiu-se, e, talvez para despistar a
dor da traição, começou a dizer que a atitude do marido era normal nos
homens... Sofri com eles aquela dor mais do que eles imaginam. Depois, como resultado, entendi que havia
sido injusto com minha família. Imediatamente dei graças a Deus por ela, por
suas características únicas. Tínhamos provações e lutas, mas, também tínhamos
vida e amor.
Da mesma forma, quando vemos as propostas,
propósitos ou o “sucesso” de outra igreja ou comunidade cristã, tendemos à
compará-la com a nossa e perguntamos a nós mesmos: “o que será que está
errado?”. Esquecemos que não é para as outras igrejas que devemos olhar, mas
sim, para Jesus. Se assim o fizermos nossos erros serão corrigidos e vamos
cumprir com liberdade e alegria nossa missão. Não quero imitar outros com o
custo de desprezar o que sou e tudo o que, especialmente, recebi de Deus. Claro
que posso e devo aprender com a experiência de outros, mas preciso ser o que
Deus me deu para ser, melhor e sempre, não é?
Quero desafiar você que está
nesta parte do Corpo de Cristo a amar e se alegrar com esta igreja, a se
compromissar com esta família de Deus, a Igreja Cristã da Família – Campo Belo,
a aprender com os erros, contribuir para a edificação, e praticar as virtudes
que o Senhor já nos concedeu como parte de seu Corpo a fim de que seja mais
saudável.
Faça um teste de saúde espiritual
e veja se você pode dizer em alta voz, de coração: “eu amo minha igreja!”. Se
não puder dizer isto, veja se você não tem estado muito tempo no espelho
tentando mudar o penteado...
Muito legal. Muito bom mesmo!!!
ResponderExcluirSensacional. Interessante que ultimamente tenho estado com esse mesmo sentimento seu. Minha proposta de palavra para o ano para a nossa igreja será mais ou menos por aqui: conhecer para amar (a nossa igreja).
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